“Glória”
Vladimir
Nabokov
Teorema
Vladimir Nabokov expõe em “Glória”, um dos
primeiros romances do autor, a sua própria tragédia pessoal provocada pelas
mudanças políticas que haveriam de mudar drasticamente o rumo social e político
da “sua” Rússia. A revolução bolchevique obrigou-o e à sua família a sair da União
Soviética. Posteriormente, ele viria a estudar em Cambridge e viver em Berlim,
cidade onde haveria de escrever algumas das suas obras.
Estas experiências foram aproveitadas e transformadas em condições essenciais na caracterização biográfica e emocional do personagem principal, Martin.
Estas experiências foram aproveitadas e transformadas em condições essenciais na caracterização biográfica e emocional do personagem principal, Martin.
O leitor está perante um romance de personagens,
psicológico, e (deliberadamente?) escasso em dinâmica. A narrativa é habitada
por personalidades (Sónia, Darwin…) que não intensificam, por contraste, as particularidades
emocionais do personagem principal.
A evolução das características psicológicas de
Martin poderia ganhar outro relevo caso fosse contrariada por acções ou
personagens capazes de rivalizar na atenção que lhe é dirigida por parte do
narrador. No entanto, esta situação é atenuada com a presença de Sónia, que vai
ganhando relevo na “segunda metade” do romance.
Martin sonha com ela quando está longe, mas quando
se aproxima, quando entra em contacto com Sónia, sente-se diminuído. No sentido
inverso, rejuvenesce quando dela se afasta. O romantismo não se compatibiliza
com a realidade.
Estruturalmente, a narrativa é dotada de uma
constante mudança temporal, devido às persistentes analepses; suporta
suspensões da realidade através do sonho, e assenta na irrequietude e cíclica
movimentação física de Martin, que viaja de comboio para diferentes cidades e
países. É nessa suspensão da realidade que as características de um certo
romantismo se notam mais.
“Por vezes, quando contamos um sonho, amaciamo-lo, arredondamo-lo, embelezamo-lo aqui e além para o elevar, pelo menos ao nível do absurdo plausível (…)” Pág. 33
“Por vezes, quando contamos um sonho, amaciamo-lo, arredondamo-lo, embelezamo-lo aqui e além para o elevar, pelo menos ao nível do absurdo plausível (…)” Pág. 33
Um dos aspectos mais interessantes de “Glória” é a
possibilidade dada ao leitor de se aproximar da percepção que Nabokov tem do
mundo. Se pensarmos na língua russa como a sua língua materna, mas na língua
inglesa como “matéria-prima” dos seus principais romances, deparamo-nos com
diferentes perspectivas do mundo onde o próprio se debate. Se virmos a língua
como um hábito imprescindível ao comportamento social, uma forma de representar
o mundo e de moldar o pensamento, ou mesmo uma articulação de princípios
cognitivos, podemos captar neste livro uma profundidade psicológica que irá
ganhar ainda mais importância nas obras seguintes. E, de facto, a uniformidade
é uma característica da ficção de Nabokov. O autor, sobre a homogeneidade
temática, afirma que alguns autores são adjectivados de versáteis porque imitam
diferentes autores. A originalidade artística só tem a si própria para se
copiar[i].
Na verdade, há em “Glória” uma abordagem
psicológica e uma deslocação física do tipo de personagens que voltaremos a
ver, com maior complexidade e aprofundamento, no incontornável “Lolita”.
Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
Mário Rufino
mariorufino.textos@gmail.com
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