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Shot #37: "Beowulf", de Anónimo.

 





Em Dezembro de 2001 saía nos cinemas um dos filmes mais vistos na grande tela. Aguardada há muito, a adaptação por Peter Jackson continua a ser, vinte e um anos depois, um êxito planetário. Falamos de “The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring”, filme baseado na epopeia de Tolkien (1892-1973) por entre anões, hobbits, elfos e orcs.

As aventuras de Frodo captaram a atenção dos espectadores e mesmo aqueles que ainda não eram nascidos sabem agora quem são os principais personagens. O que não sabem, talvez, é que essas personagens nasceram nos livros publicados há algumas décadas. Muitos mais ignoram que a trilogia do Senhor dos Anéis tem raízes ainda mais antigas.

Quem lê “Beowulf” detecta semelhanças com a luta entre bem e mal na mente de Tolkien, entre Gandalf e Saruman, entre elfos, homens, entes, anões e Sauron. Pode surpreender os mais incautos, mas basta a leitura da introdução de Luísa Azuaga e Angélica Varandas, na edição da Assírio e Alvim, para ligar Beowulf a Frodo Baggins.

Tolkien não viria a ver a sua tradução em prosa deste poema heróico escrito há cerca de 1.000 anos (sairia em 2004). Mas antes disso há um momento ainda mais importante na divulgação deste poema heróico.  A perspectiva do leitor comum seria alterada com a famosa conferência de Tolkien, em 1936.

O criador de Mordor elucidou aspectos, como estrutura e temática, que eram denunciados pelos críticos como menos-valias. A partir daqui os críticos e leitores ficaram munidos com diferentes chaves de leitura, chaves essas que continuam a proporcionar profunda fruição do texto. 

Beowulf foi escrito em Inglaterra, mas não se passa em Inglaterra:

“(…) a obra é, habitualmente, dividida em duas partes: 1) a chegada de Beowulf à Dinamarca e a sua luta contra Grendel e a mãe deste (II. 1-2199) e 2) a sua ascenção ao trono e a sua luta contra o dragão (II. 2200-3182).”

A narração compreende desde a juventude do herói até ele se tornar rei. As lutas com criaturas monstruosas saciam os mais desejosos de aventuras.

A edição da Assírio e Alvim, com tradução, introdução e notas de Luísa Azuaga e Angélica Varandas, oferece o que ainda não tínhamos:

A primeira tradução da língua original, o inglês antigo, para português.

Além disso, o trabalho das autoras sobre Beowulf é essencial para maior fruição do texto. Desde a panorâmica ao pormenor, o leitor tem acesso a informação que o fará ver o que realmente tem nas mãos:

Uma obra essencial da literatura universal tratado com esmero e respeito.



Beowulf
de Anónimo 
ISBN: 978-972-37-2261-1Ano de edição: 10-2022Editor: Assírio & AlvimIdioma: PortuguêsDimensões: 150 x 212 x 28 mmEncadernação: Capa duraPáginas: 312Tipo de Produto: LivroColeção: Assíria



Shot #36 "O Colibri", de Sandro Veronesi

 




Diz-se que a história não interessa; a importância está na forma como é contada. Mas porque será que uma é mais importante do que a outra? 

A partir de certo momento, a história começou a ser vista como coisa de crianças. Um livro com história é um livro de histórias e pouco mais. Ora, isso está longe de ser verdade.

O que se passa em “O Colibri” (Quetzal) é que Sandro Veronesi (Florença, 1959) concilia o que tentam dividir. O potencial da história é concretizado quando se encontra a melhor forma de a contar.

Veronesi utiliza várias estratégias: O discurso indirecto, diálogos telefónicos, SMS trocadas e epístolas são escolhas que funcionam num todo que, de ligação, tem a história.

O leitor não entra com a porta escancarada e ampla visão do que vai acontecer. Terá de fazer um esforço para acompanhar a vivência de Marco Carrera que, por um crescimento abaixo do percentil, é apelidado de “Colibri”. Mas valerá a pena ultrapassar esta exigência.

Marco é um oftalmologista que, como tantas vezes acontece, é motivado a recordar a sua vida após um acontecimento limite.

A partir daí, recorda o seu amor de juventude, a sua filha, neta, esposa, pais, amigos e desenha as ligações e dinâmicas entre todos. 

Nada de novo, mas aqui entra a forma como se conta, aqui entra a capacidade de o autor utilizar as estratégias narrativas que tem ao seu alcance.

Tudo começa a fazer sentido ao longo da leitura e acaba com brilhantismo, quando num golpe de asa Veronesi concentra em algumas perguntas a vida de Marco Carrera .

A coerência é um dos méritos deste livro; as ligações entre personagens e as respectivas dinâmicas são expostas com mestria.

No fim, o leitor percebe que as células comunicam entre si e aquilo que parecia esparso é, afinal, um organismo inteiro.

“O Colibri”, agraciado com o Prémio Strega, é uma história comovente e muito bem contada. É um triunfo literário.  


ISBN: 9789897227875Ano de edição: 03-2022Editor: Quetzal EditoresIdioma: PortuguêsDimensões: 149 x 236 x 19 mmEncadernação: Capa molePáginas: 328Tipo de Produto: LivroColeção: Serpente Emplumada










Shot #35 " Oh, William!", de Elisabeth Strout

 




Lucy Barton tem voz. Ela é de carne, osso e sentimos-lhe o batimento cardíaco. São as maiores conquistas de Elisabeth Strout nos livros que dão a conhecer Lucy. 

Depois de “O meu nome é Lucy Barton” e de “Tudo é possível”, chega-nos “Oh, William!” (Alfaguara; trad. Tânia Ganho). 

A desafectação da prosa aproxima-nos de Lucy; é a sua voz – de mulher e não de escritora- que vai desvelando as contradições que nos humanizam e nos espantam. Lucy é confrontada com as suas incoerências e fica surpreendida. O mesmo acontece ao sentir as arestas no comportamento de William, seu ex-marido que lhe fora tantas vezes infiel.
Longe vão os tempos em que, hospitalizada, ela vai dissecando esta decrépita relação colonizada por silêncios.
A relação mudou. Lucy voltou a casar e enviuvou; William abandonou e foi abandonado. Quando ele descobre que tem uma meia-irmã recorre ao apoio de Lucy. Ele precisa dela para o acompanhar na procura.
A adequação do discurso à mundividência e quotidiano afasta a palavra da metáfora e cola-a ao sentido primordial. Os pensamentos são espelhados nas frases sem diatribes filosóficas nem afectação lírica. Ainda assim, apesar de tanto se aproximar da psique, o fracasso é inevitável: 

“Mas quem é que sabe realmente como os outros sentem as coisas?” 

Ela é gente como nós: cheia de contradições, amarguras, perdão e resiliência. A narrativa fragmentada optimiza os matizes que nos formam. O que é digno de registo não fica preso a uma falsa evolução lógica, à obediência da regra causa-efeito.
Conhecemos Lucy Barton, e a sua honestidade conforta-nos. 
Lucy é tantos de nós, com todas as vicissitudes e cambiantes. 

 “Mas quando penso «Oh, William!», não quero eu dizer também «Oh Lucy!»?
Não quero eu dizer «Oh toda a gente», «Oh coitadas de todas as pessoas neste mundo enorme, não conhecemos ninguém, nem sequer a nós próprios!»? 

Talvez seja por isto que Lucy e William nos parecem tão familiares. 


Chancela Alfaguara 
Autor(a)Elizabeth Strout
Tradutor(a)Tânia Ganho
ISBN9789897843051
Data de publicação Junho de 2022
Páginas224
Apresentação capa mole
Dimensões150x235x14mm
GéneroFicção, Literatura








Shot #34: "O Perfume das Flores à Noite", de Leila Slimani

 





Do que falas quando falas de escrita? 



Ao quarto livro traduzido em português, Leila Slimani(n.1981) passou os limites do epifenómeno e instalou-se num lugar certo e seguro. 
“O Perfume das Flores à Noite” (Alfaguara) é uma despretensiosa visita aos bastidores da escrita de No Jardim do Ogre”Canção Doce e “O País dos Outros”. 

O projecto apresentado por Alina, sua agente, veio ao encontro da necessidade imperativa de reclusão, de “dizer não e passar por misantropa, arrogante, doentiamente solitária”: 
- Ficar fechada durante uma noite num museu em Veneza. 
Em contraponto (e contradição) à necessidade de silêncio e reclusão, a autora, tal como Sándor Marai, pensa que não são as cidades nem as paisagens que interessam verdadeiramente; é nas pessoas, é na “mulher inglesa ou de um sapateiro toscano numa viela estreita perto da via Tornabuonique se encontra matéria de escrita. 
No escuro das galerias, a sentir o chão nos pés descalços, a autora nascida em Rabat faz desfilar figuras da sua infância e desfilar-se, transmudada em personagem do seu livro. 
Assim conhecemos a mão que nos dá as histórias; a mão que revela e esconde, a mão que gere o “chiaroscuro” de cada avatar, de cada palavra, de si própria.
 
“O que não dizemos pertence-nos para sempre. Escrever é jogar com o silêncio, é dizer, de maneira indireta, segredos que na vida real seriam indizíveis. A literatura é uma arte de contenção.” 

Textos misturam-se com memórias de infância e adolescência e autores convivem com familiares desaparecidos. Principalmente com o pai. Tudo ali conduz a ele; a arte plástica, o silêncio, o som dos passos descalços, as sombras e a rara luz. 

“Talvez seja essa a missão do artista? Exumar, arrancar ao esquecimento, entabular o diálogo diabólico entre o passado e o presente. Recusar a inumação.”

Depois de uma noite em que a solidão a obriga a confrontar-se, o perfume das damas-da-noite acompanha-a à saída; lá fora, distante das imperscrutáveis obras de arte, é sobre as pessoas que o olhar incide, um olhar vampiro a imaginar caminhos e palavras para serem delineados e escritas em silêncio. 
Não espere o leitor um tratado teórico sobre a literatura. As ligações são mais afectivas do que intelectuais, o objectivo é mais sentir a pulsação dos textos do que dissecá-los com o bisturi da teoria da literatura.
 
É uma história sobre histórias; uma metalinguagem adaptada ao ouvido do leitor pouco avisado para os termos nebulosos da crítica literária. É uma história. E muito bem contada como é habitual em Leila Slimani.
 

 


O Perfume das Flores à Noite
de Leila Slimani 
ISBN 9789897845376
Edição/Reimpressão 03-2022
Editor: Alfaguara Portugal
Idioma: Português
Encadernação: Capa mole
Páginas: 144


 


Shot #33: "Dicionário de Artistas", de Gonçalo M Tavares.

 




“Dicionário de Artistas” (Relógio d`Água) é uma colectânea de textos escritos para o Centro Cultural de Belém e tem a arte contemporânea como ponto de partida. 
São 75 textos sobre autores contemporâneos, são 75 peças que saem de obras e especulam para além delas. 
 

 
“Em Dicionários de Artistas” a subjetividade não consta e a materialidade dos vocábulos mobilam cada página. São vocábulos que remetem para objectos e que se deixam agarrar. Gonçalo M Tavares impõe rigor matemático numa literatura táctil.

 
“As letras são assim trajectos éticos: avanços, perversos ou não, de uma linha através do espaço. E quando essa escultura de sentido – que é a linguagem- surge nos sítios imprevistos, no meio de coisas que não falam, a força muscular de uma frase torna-se quase perigosa; um simples substantivo –aliado a um verbo- pode acertar numa pessoa como um soco.” 


É um universo de fragmentos, de ligações menos óbvias, mantendo cada página um organismo independente. Isto radicaliza a relação entre livro e leitor. A primeira página deixa de ser a porta de entrada, a última não é a porta de saída. A orientação da leitura é mais aberta e plural. 
Nesta coabitação entre materialidade e vocábulo, a arte contemporânea e a literatura cruzam-se. 
“Dicionário de Artistas” incorpora tecnologias e a vanguarda da arte contemporânea num formato que, apesar das literaturas de vanguarda, mantém uma mão agarrada à tradição. 
Na linguagem de Gonçalo M Tavares, a palavra não é o único centro. As fotografias, as obras de artes plásticas e o preciso mecanismo científico competem e interseccionam-se com a palavra. 
No princípio está o verbo e a imagem e a ciência. Nesta conjugação reside um dos muitos méritos do autor. 


Um texto tem cabeça e é com ela que o texto pensa.”  


O texto rebela-se e não vai ao encontro do esperado pelo leitor, pelo menos do leitor incauto. A reformatação causa estranheza e não permite a imediata identificação de lógica. Por outras palavras, exige ao leitor que cresça e que observe o signo em suas declinações. 


“E a inteligência transforma: é uma máquina de inquietação, o cérebro. Para alguns, porém, é apenas uma máquina de continuar quieto. Um modo repetido de olhar para o mundo quando ainda não se adormeceu.” 


A postura perante o texto é idêntica à postura defronte de uma pintura: 
- Por onde se começa a ver? Como se disciplina o olhar? 
É deixar guiar-se por uma luz que vale por uma geração de escritores. Gonçalo M Tavares tem um brilho próprio, um brilho que ilumina o que nem sabíamos que existia.
 








ISBN: 9789897831645

Edição/Reimpressão: 12-2021

Editor: Relógio d`Água

Dimensões: 138x218x10 mm

Encadernação: Capa mole

Páginas: 168



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