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"Como o Ar que Respiramos - o sentido da cultura" (Objectiva)

 



O que é a cultura e para que serve?
É das perguntas mais difíceis de responder e uma das interrogações que mais divisões gera. A começar pela própria inclusividade da palavra.
António Monegal (Barcelona, 1957) apresenta-nos em "Como o Ar que Respiramos - o sentido da cultura" uma cristalina provocação.
O professor catedrático da Universitat Pompeu Fabra, em teoria da literatura e literatura comparada, consegue afastar-se da obscuridade escolástica e, com lucidez, caminhar com o leitor entre as polémicas e hipóteses levantadas pelo conceito de cultura.
Segundo o autor, "qualquer explicação do que a cultura faz tem de valer igualmente para a alta cultura, a cultura popular e a cultura de massas, sem que isso signifique que são a mesma coisa."
Há sempre algo de combativo nas respostas à pergunta que serve de mote ao livro. A necessidade de justificação está implicada. Quem responde sente-se impelido a agarrar em armas e defender o seu território.
A resposta de Monegal contrasta com a de outros autores, em especial a de Vargas Llosa, a quem aponta elitismo.
Apesar de ser de índole comunitária, tal qual a água a envolver os peixes que nela nadam, a cultura implica experiência individual e é, em algum grau, intransmissível:
"A literatura, a filosofia, o cinema, a arte e a música têm-me acompanhado na solidão, ajudado a enfrentar a dor e a partilhar alegrias. Têm amplificado, ordenado e desordenado emoções e desejos (...) Tudo isto, como é evidente, não tem de ser importante para mais ninguém a não ser para mim."
Ainda que mencione a experiência individual, o autor é muito claro ao afirmar que o ensaio centra-se sobretudo na dimensão coletiva da cultura. Há, para Monegal, duas ameaças à cultura que decorrem de erros de apreciação.
Um erro é o de quem acredita que pode prescindir da cultura, como quem dispensa um acessório luxuoso.
"Poderíamos denominá-lo ameaça neoliberal porque só tem em conta o que gera ganhos tangíveis, mas também tem uma faceta populista, que considera que a cultura está ao serviço dos interesses de uma elite."




Outro erro é o de desvalorização e que afeta quem sente que a cultura se perde ou desvaloriza quando não a identificam com a sua (e dá o exemplo de Eliot).
Para Eliot, a expansão dos benefícios da cultura desvalorizam-na.
A perplexidade de Monegal junta-se à de Steiner quando pensa no valor edificante da cultura. De que nos serve quando não eleva o espírito aos píncaros do humanismo? De que nos serve quando não defende a humanidade da barbárie como a do Holocausto?
Ser-se culto não é a antítese de se ser nazi. Carrascos houve que usufruiram e cultivaram as artes. Não os inibiu de executar e de cometer atrocidades para além da imaginação.
O ensaista catalão vai constrastando ideias de diferentes autores, pondo em evidência diferentes portas de entrada para o conceito (ou conceitos) de cultura. Tudo de forma clara e com preocupação pedagógica, o que implica o afastamento da obscuridade.
Acima de tudo, seja de dissensos ou de convergências, "a sociedade precisa de espelhos".
"Como o Ar que Respiramos - o sentido da cultura" (Prémio Nacional de Ensayo 2023) consegue ser transversal a vários tipos de leitores, sem perder conteúdo. É um dos seus principais méritos.




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