"Relato de Certos Factos" (Quetzal), de Yasmina Reza, é um fio de missangas a desfilar pelos dedos e olhos do leitor. Cada missanga é um retrato dos nossos hábitos e ruturas.
As histórias curtas, que espelham momentos ora dramáticos ora quotidianos, são unidas pela voz autorial, bem identificável, da autora francesa.
53 peças que formam um mosaico heteronéneo na temática, mas unido pela estilística, ritmo e sensibilidade.
Ao longo de "Relato de Certos Factos", o leitor deambula por ruas italianas, conhece outros autores, partilha o pensamento da dramaturga francesa e ausenta-se deste quando Reza, de forma seca, observa casos a serem julgados em tribunal.
"Que fez ele durante aqueles quatro anos de prisão preventiva senão ruminar sobre as suas virtudes? Quatro anos de clausura, de músculos e tendões empedernidos, a forjar aqueles argumentos. Com que esperança? Talvez seja o único enigma desta história. Ninguém acredita nele. Ele sabe-o, vê-o. Que benefícios, que fortificação do seu ser, poderá retirar da sua obstinação?"
Olivier Cappelaere está só."
A prosa tem a mão de quem sabe o que faz. É uma mão que transcreve a melancolia e a ternura sobre quem é observado.
A realidade mora no drama e no trivial; a humanidade está tantas vezes condensada nos pequenos gestos e rotinas, mas também é exposta na barra dos tribunais, onde crimes horrendos deitam luz à escuridão dentro do ser humano.
Personagens desfilam no palco da vida; personagens com qualidades e imperfeições, bondade e maldade, erráticas e perdidas dia após dia a tentar encontrar sentido para os seus passos.
Estas personagens somos nós, e "Relato de Certos Factos" é a realidade que construímos.
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