“As
Velas Ardem até ao Fim”
Algumas
considerações:
Sandor
Márai reinterpreta a culpa de Ana Karenine. Krisztina, de “As velas ardem até
ao fim”, é a absolvição de Ana.
A
conjugação de personalidades resulta num complexo triângulo afectivo. A
culpabilização de Ana, na obra de Tolstoi, parece ser o resultado partilhado
com Krisztina, mas a intenção de Márai é diferente.
“As
velas ardem até ao fim” não é só, nem principalmente, um tratado sobre a
amizade. Não é, também, uma história extraordinária. É uma história secular de
amor e traição.
A
qualidade desta obra fundamenta-se na capacidade do autor húngaro em pesquisar
a formação psicológica das personagens. O diálogo entre o general e Konrád é
uma longa sessão de psicanálise. O general, que é o marido e amigo traído,
espera há 41 anos e 43 dias para resolver esse “processo” que o atormenta.
A
participação de Konrád nesse diálogo, ao longo da noite, é muito reduzida. Ele
é o ouvinte. O general precisa de exteriorizar o que pensa e sente. E será ele
próprio a chegar às respostas para as perguntas que há anos o motivam a viver.
Se
Sandor Márai deixa o fim em aberto, não o faz quanto à atribuição da culpa.
Krisztina é tão culpada quanto o marido e o seu amante. São as fraquezas de
todos os intervenientes nesta relação de tão forte amizade que resulta no
isolamento do general, na ostracização de Krisztina e na fuga de Konrád.
A
culpa, segundo Márai, não é de Ana Karenine e não é de Krisztina. A culpa é
património comum; é uma construção com vários intervenientes.
“Quem
sobrevive ao outro é sempre traidor. Sentíamos que tínhamos de viver, e não é
possível atenuar isso, porque ela é que morreu. Morreu, porque te foste embora,
morreu porque eu fiquei e não me aproximei dela, morreu porque nós os dois,
homens, a quem ela pertencia, fomos mais vis, orgulhosos, cobardes, barulhentos
e silenciosos que o que uma mulher podia suportar, porque fugimos dela e a
traímos, porque lhe sobrevivemos” Pág. 151
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