“Mal Nascer” (Casa das Letras)
confirma a capacidade de Carlos Campaniço (Safara; 1973) em criar personagens
marcantes e ambientes envolventes. A possibilidade de “Os Demónios de Álvaro Cobra” ser um sucesso irrepetível é negada
por “Mal Nascer”. Não há realismo
mágico, nesta obra, mas existe o mesmo labor na escrita, igual complexidade
psicológica das personagens, um ambiente sugestivo e um enredo capaz de seduzir
o leitor.
Em tempos de contenda entre liberais e absolutistas, o Doutor Santiago
Barcelos regressa à aldeia onde passou a sua dura infância. Vindo de Lisboa, o
médico foge de ameaças de morte e da obsessão de uma mulher. Na aldeia, onde
lhe semearam ódios, não há espaço para nada além da sobrevivência. O pouco de
dignidade existente é património dos mais abastados, personificados por Albano
Chagas, e da igreja. Os outros sofrem devido à fome e obedecem aos que ostentam
riqueza.
Com início no regresso do médico Santiago Barcelos, que substituiu o
apelido paterno de Bento por o apelido do padrinho Barcelos, Carlos Campaniço
constrói a narrativa em dois tempos intercalados (infância/juventude e idade
adulta). O passado mais remoto é um afluente da acção principal. O autor
alentejano conta a causa para exponenciar os efeitos dramáticos da
consequência. A razão de Bento em se manter escondido noutro nome reside em
acontecimentos dramáticos acontecidos na sua infância. O todo-poderoso Albano
Chagas impõe que Santiago e os seus
amigos assumam uma culpa inexistente devido a um acidente que vitimou o seu
primogénito.
O leitor assiste tanto à evolução do problema (passado) como da resolução
(presente).
Apesar de já terem passado muitos anos após a sua partida, Santiago
reconhece o ambiente inabitável da sua infância, onde a inocência morreu
perante a violência doméstica. A sua ingenuidade infantil deu lugar às dores dos
dias de trabalho, e o riso das brincadeiras foi trocado pelos seus lamentos de
criança num hostil mundo de adultos embrutecidos.
“Não posso impedi-lo, nem sei se a minha mãe sobreviverá a mais esta
bestialidade. A última vez que lhe supliquei para que não lhe batesse arriou-me
como nunca, com mais força ainda com que lhe batia a ela. Levo as lágrimas
postas num rosto de infortúnio e parece não ser curiosidade para ninguém,
porque não há um único que me pergunte sobre o sucedido” Pág. 61
Ele foi obrigado a crescer demasiado depressa. O ódio foi aumentando dentro
do seu peito. Mas, ao contrário de Álvaro Cobra, personagem do anterior romance
de Carlos Campaniço, o protagonista suplanta a pobreza e a miséria moral. Ao
tornar-se médico, é aceite pela mesma classe social que mantém a maioria da
população na pobreza.
Os habitantes não reconhecem no médico a criança pobre que ele fora. É
tempo de ajustar contas com o passado. Mas apesar de tudo o que não fizeram por
ele e pela sua mãe, Santiago cura as pessoas das respectivas doenças. E se não
o fizeram é porque a dor de muitos deles não era menor. A culpa pesa como uma
cruz nas costas de um povo condenado a viver com a perda e a solidão.
O enredo montado possibilita diversos desenvolvimentos da acção e
aprofundamentos na caracterização psicológica das personagens secundárias. No
entanto, Carlos Campaniço opta por não desenvolver tanto quanto poderia. A
narração numa primeira pessoa possibilita o conhecimento mais aprofundado da
psique dos intervenientes principais, mas impõe limitações no progresso dos
“subenredos”. Em consequência, a perspectiva do leitor é mantida no essencial à
condição de logro e de dominado pelo ódio em que se encontra o Dr. Santiago
Barcelos.
De certa forma, Santiago é cativo daquela aldeia: o ódio prende-o ao
passado e o amor por Sebastiana, sua assistente no consultório, prende-o ao
presente. Ele terá de escolher um caminho.
Carlos Campaniço continua a demonstrar a qualidade já presente em “Os Demónios de Álvaro Cobra”. A sua
temática tem-se construído, até agora, assente em assuntos como a luta entre
classes sociais, a pobreza como influência decisiva na formação do ser humano e
sobre o poder do Clero na Moral e nos costumes.
A prosa de “Mal Nascer” e de “Os Demónios de Álvaro Cobra” tem o
humanismo de Ferreira de Castro.
“Mal Nascer” , finalista do Prémio
Leya, é mais uma importante obra no surgimento de um autor com muita qualidade
na Literatura Portuguesa: Carlos Campaniço.
Mário Rufino
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=708196
My rating: 4 of 5 stars
O meu texto sobre "Mal Nascer" para o Diário Digital:
“Mal Nascer” (Casa das Letras) confirma a capacidade de Carlos Campaniço (Safara; 1973) em criar personagens marcantes e ambientes envolventes. A possibilidade de “Os Demónios de Álvaro Cobra” ser um sucesso irrepetível é negada por “Mal Nascer”. Não há realismo mágico, nesta obra, mas existe o mesmo labor na escrita, igual complexidade psicológica das personagens, um ambiente sugestivo e um enredo capaz de seduzir o leitor.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp...
Texto sobre apresentação do livro:
O Planeta Livro esteve presente, findava a tarde do dia 09 de Maio, na Livraria Ler Devagar para assistir à apresentação de “Mal Nascer” (Casa das Letras), o mais recente romance de Carlos Campaniço (n.Moura; 1973).
A apresentação ficou entregue a Maria do Rosário Pedreira (editora) e Afonso Cruz, escritor recentemente premiado com o prémio Sociedade Portuguesa de Autores, devido ao seu livro “Para onde Vão os Guarda-Chuvas”.
http://oplanetalivro.blogspot.pt/2014...
“Mal Nascer” (Casa das Letras) confirma a capacidade de Carlos Campaniço (Safara; 1973) em criar personagens marcantes e ambientes envolventes. A possibilidade de “Os Demónios de Álvaro Cobra” ser um sucesso irrepetível é negada por “Mal Nascer”. Não há realismo mágico, nesta obra, mas existe o mesmo labor na escrita, igual complexidade psicológica das personagens, um ambiente sugestivo e um enredo capaz de seduzir o leitor.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp...
Texto sobre apresentação do livro:
O Planeta Livro esteve presente, findava a tarde do dia 09 de Maio, na Livraria Ler Devagar para assistir à apresentação de “Mal Nascer” (Casa das Letras), o mais recente romance de Carlos Campaniço (n.Moura; 1973).
A apresentação ficou entregue a Maria do Rosário Pedreira (editora) e Afonso Cruz, escritor recentemente premiado com o prémio Sociedade Portuguesa de Autores, devido ao seu livro “Para onde Vão os Guarda-Chuvas”.
http://oplanetalivro.blogspot.pt/2014...
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