“A Mulher-Casa” de
Tânia Ganho
“A
Mulher-Casa” é um cerco à individualidade.
Tânia
Ganho construiu uma estrutura concêntrica que aprisiona, lentamente, Mara,
Thomas e o pequeno Raphael, enquanto indivíduos, e os três enquanto unidade
familiar.
Estruturalmente,
podemos dividir o romance em duas partes: a primeira, onde Mara vê o seu casamento
sucumbir; a segunda, onde liberta toda a sua sensualidade e sexualidade. A
autora imprime diferentes ritmos a cada parte: mais lento na primeira, em que
expõe a deterioração do casamento, e um ritmo mais rápido, frenético por vezes,
na segunda, onde assistimos à concretização dos anseios sexuais de Mara.
Na
primeira parte, a ruptura com a normalidade começa com uma viagem, uma
deslocação física (Aix-en-Provence/Paris), para, posteriormente, haver uma
outra ruptura, uma mudança agonizante no campo emocional.
Paris, símbolo de glamour, é uma cidade agressiva e pouco hospitaleira. A perspectiva real de grande envolvência cultural é contaminada pela indiferença e crueldade inerentes a um grande centro urbano. A alegria de Paris é uma projecção (inalcançável) como as luzes da Torre Eiffel reflectidas no tecto do quarto. A perspectiva histórica sobre a cidade onde vivem é dada através da observação de monumentos e pela comparação entre textos de Thomas com outros ghostwriters.
Paris, símbolo de glamour, é uma cidade agressiva e pouco hospitaleira. A perspectiva real de grande envolvência cultural é contaminada pela indiferença e crueldade inerentes a um grande centro urbano. A alegria de Paris é uma projecção (inalcançável) como as luzes da Torre Eiffel reflectidas no tecto do quarto. A perspectiva histórica sobre a cidade onde vivem é dada através da observação de monumentos e pela comparação entre textos de Thomas com outros ghostwriters.
O
leitor é confrontado e inquietado com a falência da estrutura familiar quando
as expectativas de cada elemento entram em conflito. Enquanto o marido é
despersonalizado pela influência do seu chefe, ela é limitada ao papel de
esposa, doméstica e mãe. A Mulher, sensual e dotada de um forte pendor sexual,
é secundarizada. A sua perspectiva sobre a maternidade é fortemente influenciada
pela agressividade imposta por noites mal dormidas, pela ruptura com rotinas
anteriormente consolidadas e pela (frustrada) realização pessoal noutras áreas.
A constante necessidade do filho, as necessidades e desencanto de Mara, e a
dedicação profissional em detrimento da familiar do marido destroem os laços
afectivos entre o casal.
“Tem a sensação de que
está a prestar-se a um papel humilhante, sob o olhar sádico de Thomas e
Raphael, dois poços sem fundo de exigência – também eles querem mais, sempre
mais, e é ela que tem de os saciar”Pág.58
Eles
evoluem em sentidos opostos. A casa passa a ser um local onde os caminhos se interseccionam,
um espaço onde a concórdia vai desaparecendo.
Sobre
os escombros do casamento surge Matthéo. É neste ponto que a autora muda o
ritmo da narração e é neste ponto que consideramos estar perante uma fase
distinta do romance.
A necessidade frustrada de atenção somada à avassaladora atracção física pelo amante faz dela uma esposa infiel. Ao responder aos seus próprios anseios, ela põe em causa o respeito que tem por si própria e renega o respeito que tem pelo marido.
A necessidade frustrada de atenção somada à avassaladora atracção física pelo amante faz dela uma esposa infiel. Ao responder aos seus próprios anseios, ela põe em causa o respeito que tem por si própria e renega o respeito que tem pelo marido.
A
conjugação entre os papéis de mãe, esposa e amante promove uma transformação
radical. Ela hesita entre o divórcio e o seu próprio afastamento do amante. O
medo de perder o filho é real e se há algo mais forte do que a atracção que
sente por Matthéo, é o amor filial. A sua vida está um caos e ela tenta dar-lhe
alguma ordem emocional. A colecção de botões de madrepérola, um por cada momento
feliz, indica a quantidade de momentos felizes; a manufactura de chapéus é uma
manifestação do seu estado de espírito.
“Com uma linha rosa-escura, bordou na fita a frase I am a bitch and a fake, incorporando a implacável descrição de Sarah, a mulher perdida de O Fim da Aventura [Graham Greene]. É assim que se vê: uma cabra e uma falsa, expressão hipnótica que, de algum modo, a pune e redime.” Pág. 312
“Com uma linha rosa-escura, bordou na fita a frase I am a bitch and a fake, incorporando a implacável descrição de Sarah, a mulher perdida de O Fim da Aventura [Graham Greene]. É assim que se vê: uma cabra e uma falsa, expressão hipnótica que, de algum modo, a pune e redime.” Pág. 312
Mara
será, inevitavelmente, confrontada com a obrigação de decidir.
Tânia
Ganho propõe-nos um exercício de interpretação literária sobre o problema da
libertação do individuo. Nesta sua obra, a atenção recai sobre o papel da
mulher na sociedade. A Moral, o Hedonismo, a Fidelidade são temas sobre os
quais a autora propõe a reflexão. A forma escolhida para narrar esta história
não é inocente. Tânia Ganho optou por se aproximar muito da personagem
(discurso indirecto livre) até o leitor não saber de quem é, afinal,
determinado pensamento.
O
leitor é seduzido a entrar na vida desta família e a analisar os acontecimentos
através da perspectiva da personagem principal…ou da autora.
Todos
nos identificamos, em algum aspecto, com estas personagens, mesmo que sigamos
caminhos diferentes dos que elas seguiram. Daí a inquietação que “A
Mulher-Casa” provoca.
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