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Fólio: José Pinho na primeira linha de combate das livrarias contra os monstros

 


Há um sentimento de perda e homenagem nas ruas de Óbidos.
Seja em palavras, conversas ou imagens, um rosto e um nome marcam a edição deste evento.
José Pinho faleceu em Maio deste ano, mas parece ser omnipresente. A criatura não se esquece do criador. A memória é curta, dizem os mais pessimistas, e depressa ficará o pai do Fólio esquecido na bruma. Se for como a memória de João Paulo Cotrim, editor e autor muito presente em edições anteriores, irá prevalecer. O Espaço Abysmo continua a afirmar que Cotrim está vivo, agora nas vozes de outros quando lêem as suas palavras.
A contagem vai aumentando, não fosse o tempo impiedoso.
Luís Carmelo juntou-se a Cotrim e Pinho, seja lá onde for, a divulgar a palavra a grupos de maluquinhos dos livros.


Não sabemos quanto aos etéreos, mas dentro das muralhas de Óbidos, há muitos a vaguear entre livrarias e espaços onde decorrem as conversas.
Não é incomum partilharem umas ginjinhas com autores nas tascas da rua principal, entalando os livros já autografados debaixo do braço. 
A geografia dos afectos é desenhada nas ruelas da vila, onde se fala de Angola e do Brasil, de bibliotecas e de festivais literários, do amor e da guerra, da filosofia e da literatura infantil entre público e 400 autores, nos 11 dias do festival.
O tema desta edição parece reverenciar os dias em que tudo era utopia. José Pinho teve a ideia e, sabendo do risco, apresentou-a para surpresa de quem o ouviu. O "Risco" do início fez-se tema da edição deste ano do Fólio - Festival Literário Internacional de Óbidos. 





A utopia e o risco fazem parte do dia-a-dia de cada livreiro. Essa espécie capaz de sobreviver a pandemias e tecnologias que agrega a tribo dos livros. E se se fala de livrarias e livreiros,fala-se mais uma vez de José Pinho.
A sua obra e a sua vida foram lembradas em várias actividades e por vários autores.
Jorge Carrion, autor de "Livrarias" e "Contra a Amazon", ambos da Quetzal, lembrou-o em duas ocasiões.
Primeiro, na Livraria Santiago, numa antiga igreja, onde conversou com a jornalista e escritora Isabel Lucas sobre o tema "Livrarias: o risco de ser a favor".


«As livrarias têm sido um refúgio físico e emocional», afirmou.
 
É um espaço onde nos podemos ligar connosco e a algo exterior e talvez superior. É um acto de resistência à velocidade do tempo, fazendo jus à livraria Ler Devagar, imaginada e concretizada por José Pinho.
Há algo táctil na leitura. Confessou não ter conseguido memorizar nas poucas vezes que leu num "tablet" ou num "Kindle".

«Para mim, a leitura não se separa do lápis».

A tecnologia do livro ainda não foi superada, e os melhores espaços para os livros continuam a ser as livrarias.
Há também a relação pessoal com os livros. É uma memória externa, afirmou, que nos reflecte. Os traços que deixamos nos livros, os bilhetes de metro, as manchas de café, as anotações fazem da biblioteca pessoal uma autobiografia.
Para quem não gosta de emprestar livros, Carrion deixa um pretexto para não o fazer:
Emprestar livros é poder perder parte dessa autobiografia. E a amizade, caso não devolvam o livro.

«Uma biblioteca é uma resposta.»


Esta frase encontrou a sua justificação já na Galeria Nova Ogiva, onde Carrion apresentou o seu projecto "Booklovers", sobre livrarias em várias cidades.
No episódio sobre Lisboa, Carrion passou pela Fundação José Saramago, Livraria Bertrand no Chiado, Livraria Travessa, Biblioteca Nacional e Ler Devagar. 
José Pinho foi figura central e as suas palavras mantinham a frescura num corpo debilitado. A sua paixão por livrarias foi o mote para este episódio documental da "Booklovers", pela segunda vez transmitido em Portugal, agora na galeria. E estava em casa junto aos seus.
A luta das livrarias independentes contra monstros como a Amazon foi o mote para a edição do Folio Ilustra em 2023, no mesmo local.
A curadora Mafalda Milhões propôs a 69 ilustradores para completarem a frase "Na minha livraria eu..."
69 ilustrações e textos para os 69 anos de José Pinho, quando faleceu.


A Galeria Nova Ogiva recebeu ilustradores portugueses, canadianos, franceses, italianos, brasileiros, espanhóis com trabalhos sobre livrarias existentes, encerradas ou sonhadas.
A escritora Joana Bértholo deu texto às imagens e fez nascer o hipopócrita, espécie que fica triste com o fecho das livrarias, mas continua a comprar na Amazon. 
É um dos monstros que os livreiros têm de enfrentar.
Quem não teve medo de monstros e contagiou todos com a sua loucura já não está entre os vivos.
Não estará mesmo? O coração parece bater em cada livraria e promete ressoar em cada edição do Fólio.

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