Como Explicar a presença do
mal?”
“De fingimentos de verdade e de
verdade de fingimentos se fazem, pois, as histórias”[1]
José Saramago
A capacidade de Maria Manuel Viana (n.1955,
Figueira da Foz) em desafiar o leitor e em estimular o gosto pela dificuldade é
entusiasmante.
Em “Teoria dos Limites” (Teodolito), estamos
perante o domínio da possibilidade, do “talvez”, campo tão fértil à criação
artística.
O romance é composto por 3 partes: “O que não pode
ser dito”, “O que talvez seja dito” e “O que irá ser dito”.
A história tem como ponto central a morte de um
escritor afamado e candidato ao Nobel. A sua última e inacabada obra é
mitificada. Não existem certezas sobre se o escritor a terminou. Sabe-se, no
entanto, que a ideia do romance começou quando ele tomou conhecimento da obra
de Leibniz.
Durante o funeral, reúne-se o núcleo familiar
composto por a mãe, Mariana (filha), Ana Sofia e Ana Lúcia (sobrinhas) e o
irmão. Será este o momento inicial da história narrada de forma complexa,
contrastiva, e com uma prosa trabalhada como filigrana.
Logo no início, é demonstrada a dicotomia entre a
criação e a morte, entre a ficção e a realidade, entre o pai e o Escritor. A
escolha da maiúscula quando o Escritor é referido demonstra a divinização da
sua figura. A influência do Escritor é abrangente e angustiante. Apesar de
morto, Ele continua a ser fundamental na conduta das personagens. A sua
influência limita a independência dos seus familiares e admiradores (as).

A filha Mariana, sob esta influência, “decidira não ir para a faculdade após o
secundário e, em vez disso, tirar um curso breve de estenodactilografia para
ajudar o Pai que, por essa altura, já só escrevia e começava a ser O Escritor”.
Posteriormente, ela decide continuar a escrever o livro inacabado. Mariana
procura, constantemente, a aceitação/validação do seu pai/Escritor.
A
fragmentação do “eu-narrativo”, tão próxima da morte do autor e do pensamento
de Derrida, afasta a voz narrativa da voz da autora. Através desta estratégia,
a autora parece indicar que a única verdade existente é aquela que está no
texto, independentemente das inevitáveis ligações com a realidade. “O
fingimento” é potencializado pela adopção da voz das várias personagens.
A intertextualidade com outros livros e disciplinas
é verificável pelas constantes menções a escritores, mas não deve ser reduzível
a essa evidência; há, em “Teoria dos Limites”, intrínsecas influências e
interdependências de outras obras e autores. A mais evidente é com a de
Leibniz e com algumas das suas teorias.
Os universos paralelos de Leibniz estão presentes
no paralelismo temporal da narração. Na procura da resposta à pergunta de
Leibniz “Como Explicar a presença do mal?”, a autora parece seguir a trindade
presente na Teodiceia do autor alemão na explicação do mal: a vertente física
(abuso sexual de Mariana, morte do Escritor), metafísica (filosofia, teoria
literária), e moral (a culpa está muito presente).
O Monadismo, tão mencionado em “Teoria dos
Limites”, é sobretudo detectável na Mutiplicidade (na estrutura narrativa e na
caracterização das personagens) e na Percepção dos acontecimentos.
Leibniz está para o Escritor como o Escritor está
para a filha. Há uma relação problemática com a anterioridade. A relação com a
Obra Anterior é uma relação de empréstimo e influência. A fronteira entre
“pedir emprestado” e o plágio é conceptualizada, mas não definida. Na Obra Nova
existem todos os antecessores lidos pelo autor dessa obra. A dialéctica entre a
antiguidade e a novidade é, quando idealizada, produtora de sentidos novos ou
actualizados. Isto quando a novidade não é uma versão piorada do texto
canónico. Esta é uma problemática presente desde o princípio em “Teoria dos
Limites”.
Na sua introspecção sobre a influência, Maria
Manuel Viana utiliza a margem de manobra dada por o Romance. A autora
portuguesa experimenta os limites deste género narrativo ao utilizar
estratégias próprias do ensaio. A miscigenação de géneros é uma característica
importante no livro da escritora portuguesa.
“Não estou a
falar de um mero jogo de combinações e articulações, à maneira de um puzzle, e
sim da literatura como experiência limite, porque a literatura é uma
experiência sobre aquilo a que chamamos os limites, sobre o limes, que em latim
significava também fronteira, delimitação, portanto, metonimicamente, um espaço
onde o confronto e a experiência da morte são possíveis.”
Através do paralelismo temporal e da pluralização
de perspectivas, Maria Manuel Viana escreveu uma obra literária com qualidades
suficientes para incentivar a releitura; a impossibilidade de apreensão do
sentido numa só leitura deve-se à existência de interpretações poliédricas.
Maria Manuel Viana exige do leitor o que exigiu da
sua construção literária: a formação do sentido através da pluralização e
oposição de pontos de vista. O todo é muito mais do que a soma das partes.
O personagem principal, assim como qualquer ser
humano, é composto por vários discursos, por várias narrativas.
O conhecimento possível, oriundo da pluralidade de
perspectivas sobre determinada personagem e/ou acontecimento, é a plataforma
viável na caracterização dessa mesma personagem e/ou acontecimento. A Verdade é
uma utopia para o indivíduo. Não é nem pode vir a ser alcançável devido ao
instrumento utilizado para a alcançar: a interpretação. Esta é sempre exterior
ao facto.
Na última parte do livro, que reúne os escritos do
falecido Escritor, Maria Manuel Viana potencia e amplia as possibilidades de
significação do texto. A Palavra associa-se à matemática e à geometria. A
interpretação é uma combinação de possibilidades.
Maria Manuel Viana desafia o hábito estabelecido de
introdução-desenvolvimento-conclusão ao propor uma estrutura textual em que
criador (escritor) e recriador (leitor) têm de reconciliar os códigos de
interpretação.
“Teoria dos Limites” é uma obra aberta, muito
inteligente e desafiante.
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=698558
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Mariorufino.textos@gmail.com

My rating: 5 of 5 stars
O meu texto sobre livro de Maria Manuel Viana
http://oplanetalivro.blogspot.pt/2014...
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