Comments

6/recent/ticker-posts

"O Aroma do Tempo", de Byung-Chul Han





Em tempo de devoção à velocidade, suspender o movimento para reflectir é um acto de coragem. Byung-Chul Han (n.Seul, 1959) propõe em "O Aroma do Tempo – um ensaio filosófico sobre a Arte da demora" (Relógio d`Água) a revalorização do ócio.
Segundo o ensaísta nascido na Coreia do Sul, “o ócio remete para o pensar como thorein, como contemplação da verdade". Está distante do desligamento ou afastamento da realidade.
O trabalho, imposto como castigo a Adão e Eva quando expulsos do Paraíso, é regulador do carácter. Deus castigou a desobediência impondo o trabalho. Só através do labor Adão e Eva puderam satisfazer todas as necessidades outrora garantidas pelo Divino.
A mudança de paradigma também teve a religião como força impulsionadora. A Reforma viria a ampliar o conceito de trabalho para algo mais do que a satisfação de necessidades primárias. Até ao movimento que viria a dividir a Igreja, a vida activa era menos importante do que a vida contemplativa. As orações marcavam o início, o ritmo e o fim de cada dia. Posteriormente, Lutero viria a associar o labor à vontade de Deus.
O medo da condenação eterna é afastado através do trabalho, que ganha, desta forma, um sentido salvífico. A hierarquia é o espelho da elevação do indivíduo. O Belo e o Nobre, tão louvados por Aristóteles, foram substituídos pelo utilitarismo. Hoje, somos o que produzimos. A existência é quantificada e demonstrada em índices. A coesão social depende da capacidade produtiva. Quando se estuda, afasta-se a possibilidade de abstracção. Estuda-se para fazer. Um existe para alimentar o outro. A possibilidade de parar para reflectir é um luxo. A inutilidade de algo deve ser eliminada. Tudo é útil, ou não deve existir.
A contemplação, com a inutilidade como parte integrante da sua riqueza, é um vício dos ociosos. É algo que os produtores de riqueza permitem a quem é "extravagante", "diferente" ou "inadaptado". A inacção cataloga o ocioso como preguiçoso ou improdutivo
A crise temporal advém da eliminação da contemplação. Tudo tem de ser rápido e comensurável.  A nossa existência é fragmentada em vários planos, sem alcançarmos qualquer um deles em profundidade. Trocamos a essência pela pluralidade superficial.
Fazemos um zapping pelo mundo, sofrendo do que Heidegger chama de "desassossego distraído" e de "carência de morada". Para Byung Chul-Han, é por isto que "cada um de nós se torna qualquer coisa de radicalmente passageira".
A Literatura não escapa a esta hipervelocidade social (nem a crítica literária).
Byung-Chul Han afirma que "o tempo avança cada vez mais rapidamente no curso do romance. O que faz com que, num mesmo número de páginas, se apresentem, no princípio do livro, apenas umas quantas horas de tempo narrado, horas que depois se transformam em dias e acabam por ser semanas, de tal modo que, no final da obra, se comprimem meses e anos num pequeno número de páginas".
É a antítese de Proust. O aroma do tempo existe na madalena do autor de "Em Busca do Tempo Perdido" e na sua chávena de chá. A Magnum Opus de Proust é um exemplo do que se tem perdido com a fragmentação do tempo. A construção proustiana sustenta "o edifício enorme da recordação", algo que a atomização actual do tempo já não permite.
Byung-Chul Han sustenta as suas afirmações com vasta bibliografia, demonstrando, desta forma, ser um leitor voraz. Nietzsche, Heidegger, Adorno, Bouchillard, Zygmunt Bauman, Aristóteles, Arendt e São Agostinho, entre outros, abrem novas possibilidades ao leitor de "O Aroma do Tempo". O autor de "Psicopolítica"(Relógio d`Água) e “A Sociedade do Cansaço” (Relógio d`Água) indica caminhos sem cair na tentação do ostensivo "name dropping".
Byung-Chul Han preocupa-se em comunicar com o leitor. Os capítulos são curtos, os textos são extirpados de metalinguagem obscura, as ideias são explicadas claramente. Professor de Filosofia na Universidade de Artes de Berlim, Byung-Chul Han alia a pedagogia ao desenvolvimento teórico. O aluno/leitor não é secundário; o ensaísta/ professor não "fala" para se ouvir.
Em "O Aroma do Tempo – um ensaio filosófico sobre a Arte da Demora" são desenvolvidas ideias sobre a decisiva influência da organização do trabalho no comportamento do ser humano e na percepção do tempo.
A coacção, explícita em "Psicopolítica", encontra-se implícita nesta obra. A regulamentação comportamental por forças económicas tem o seu substrato em ideias religiosas. A coação existe sem o ser humano ter disso consciência. A optimização de processos físicos e mentais, abordada em "Psicopolítica", é desenvolvida nesta obra por diferentes prismas.
O "idiota" de "Psicopolítica" é aquele que se afasta para contemplar em "O Aroma do Tempo". Ele personifica a solução, aquele que percebe que "o tempo perde o aroma quando se despoja de qualquer estrutura de sentido, de profundidade, quando se atomiza ou aplana, se enfraquece ou se abrevia.” O "idiota" é aquele que contempla. E quem contempla dá coesão ao tempo e permite o resgate da narrativa como força criadora.


http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=836877

Enviar um comentário

0 Comentários