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Shot #29 "O quarto de Giovanni", de James Baldwin

 




Uma história de amor entre dois seres do mesmo sexo é tentação para quem escreve. Depressa e facilmente, cai no mais carnal. O voyeurismo prefere a consumação do proibido. Desenhar a envolvência física sem cair no previsível, sem abdicar da forma, é um desafio ao alcance de poucos escritores. No entanto, James Baldwin (1924-1987) não é um escritor de recursos limitados, como o leitor pode constatar em “Se Esta Rua Falasse” e “Se o Disseres na Montanha”, ambos da editora Alfaguara. 

Em “O Quarto de Giovanni” (Alfaguara; trad. Valério Romão), a curiosidade pode até incidir sobre a carne, mas isso acontece para que o escritor observe a sombra. 

Esta história simples dá o contexto a personagens principais e secundárias (nunca planas) para se movimentarem e se revelarem ao leitor e a eles próprios. 

O nova-iorquino David está em Paris, enquanto a sua noiva Hella está em viagem para Espanha, onde ficará a desenrolar o conflito interior, a dúvida sobre se casa ou não com David. 
Numa noite mais solta, ele conhece um barman italiano chamado Giovanni. Apesar de Baldwin descrever algumas conversas entre os dois enquanto caminham por ruas de Paris (o autor partiu para Paris aos 24 anos), é sobretudo no quarto de Giovanni que a relação se desenvolve. É um quarto sujo, pequeno, somente iluminado pela presença sedutora do jovem italiano. É uma metáfora de como David se sente: enclausurado e sem ar.  

A homossexualidade até então para si desconhecida junta-se à traição. David balança entre a aventura e um futuro plácido e previsível. Um é o contrário do outro, assim como Giovanni é a antítese de Hella. 

Entre bares e figuras sinistras e sedutoras, David tenta um equilíbrio impossível de manter. É um inadaptado à procura de si mesmo. As suas hesitações apresentarão um preço muito caro.  

Baldwin desvela estas nuances com delicadeza, sem cortes abruptos e inverosímeis. Movimenta-se sem dar um passo em falso, sem se perder no acessório. Movimenta-se pelas suas próprias angústias e descobertas sem abdicar da tentativa, bem sucedida, de envolver o leitor. 
Mashaun D. Simon, em James Baldwin's Sexuality: Complex and Influential, diz o seguinte do autor norte-americano: 

 

“Being Black in America. Being Black and gay in America. Being a Black American in Europe. Being Black and gay in the world. It all gives him outsider status, which allows him the ability to see the world so clearly, because he did not quite fit.” 

 

Acordemos para a realidade dos anos 50. Os direitos da comunidade LGBT+ estavam nos primórdios e o racismo estava em carne viva. Baldwin enfrenta ambos com uma história de cariz homossexual entre dois homens brancos. É dito e repetido nas diversas sinopses que o editor [Henry Carlisle] aconselhou o autor norte-americano a não publicar esta história. O conselho não foi seguido. Ainda bem. 70 Anos depois, cá estamos a usufruir do talento e da coragem de James Baldwin. 



O Quarto de Giovanni
de James Baldwin 

ISBN: 9789896657611Edição: 06-2020Editor: Alfaguara PortugalIdioma: PortuguêsDimensões: 149 x 233 x 12 mmEncadernação: Capa molePáginas: 192



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