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"Psicopolítica" (Relógio d`Água), de Byung-Chul Han



«Psicopolítica»: o idiota é o verdadeiro indivíduo

http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=788668
A descodificação de uma matriz precisa de alguém com excepcional capacidade para conciliar o conhecimento de quem está sob essa matriz e a lucidez de quem a analisa com distanciamento. Byung-Chul Han (n.Seul; 1959) demonstra ter construído essa indispensável competência. Depois de ter estudado Metalurgia, em Seul, foi para a Alemanha, onde estudou Filosofia, Literatura Alemã e Teologia. Actualmente, é na pátria de Friedrich Schiller e Johann Wolfgang von Goethe que o autor sul-coreano lecciona Filosofia. «Psicopolítica» (Relógio d`Água) é uma obra límpida, comunicativa e esclarecedora.
Os academismos estão ausentes do livro, o autor teve a preocupação em passar a sua mensagem, e o leitor sai, sem dúvida, com uma outra perspectiva da realidade que o formata.
Byung-Chul Han não se distancia do seu objectivo: Fazer-se compreender. Isso beneficia “Psicopolítica” de uma pedagogia que favorece a compreensão da obra. O autor não necessita de se refugiar numa metalinguagem obscura que, em tantos casos, esconde a falta de conteúdo. Os seus textos são curtos; as frases são refinadas até estarem o mais claras possível. A nomenclatura de influências existe para reforçar as ideias e para abrir outras possibilidades ao leitor. O professor de Filosofia (Universidade de das Artes de Berlim) não usa e abusa do “name dropping” para se elevar perante o leitor. Antes pelo contrário. A sua preocupação é pensar e passar uma mensagem. Para isso, ele adapta a linguagem ao receptor.
“Psicopolítica” tem uma palavra-chave na análise a que se propõe fazer sobre a liberdade: essa palavra é Coacção. As actuais formas de controlo da liberdade são diagnosticadas pelo autor sul-coreano. E Coação é apontada como a raiz da Biopolítica, que consiste na forma de governar através do poder disciplinar, e da Psicopolítica. A Psicopolítica é uma forma de domínio muito mais sofisticada. Na Psicopolítica, o ser humano submete-se a si próprio sem ter consciência disso. Ele é o seu próprio controlador.
Segundo Byung-Chul Han, “o poder disciplinar descobre a “população” como uma massa de produção e de reprodução a administrar meticulosamente. É dela que se ocupa a biopolítica. A reprodução, as taxas de natalidade e de mortalidade, o nível de saúde, a esperança de vida tornam-se objecto de controlos reguladores.”
A família, a escola, o cárcere, o quartel, o hospital e a fábrica são “espaços disciplinares de reclusão”. Este tipo de controlo enfrenta problemas devido à sua rigidez e enclausuramento. A evolução das tecnologias veio dar outras características às formas de produção. A Psicopolítica é a resposta a essas mudanças. O “poder fazer”, inerente à Psicopolítica, motiva o ser humano a ser captor de si próprio. A divergência entre classes sociais é eliminada (ou diluída); é o agora empresário (neo) liberal a impor a si próprio as condições de produção. Byung-Chul Han sublinha a ausência desta possibilidade em Karl Marx.
Assim, o Marxismo deixa de ser uma perspectiva de leitura do actual regime neoliberal. “O eu como projecto, que crê ter-se libertado das coacções externas e coerções alheias, submete-se a coacções internas e a coerções próprias sob a forma de uma coacção ao rendimento e à optimização” Daqui resultam novas patologias como a síndrome de esgotamento profissional e a depressão.
Na Psicopolítica “não se produzem objectos físicos, mas não-físicos como informações e programas. O corpo como força produtiva já não é tão central como na sociedade disciplinar biopolítica. Para aumentar a produtividade, não se superam resistências corporais, mas optimizam-se processos psíquicos e mentais”
Psicopolítica e biopolítica convergem em vários pontos. Byung-Chul Han salienta a relação de ambas com a produção, embora a manifestação seja díspar entre as duas.
Em textos breves, os vários tipos de poder vão sendo analisados. As redes sociais proporcionam, hoje, um original controlo sobre o ser humano É o próprio homem que se expõe e se submete a esse controlo. As informações prestadas são um produto. Ou seja: o próprio homem transforma-se em produto num mercado onde tudo se vende e tudo se compra. O “Big Data” é um sofisticado mecanismo de controlo alimentado com informação pessoal pelo próprio indivíduo.
“Comunicação e controle coincidem na totalidade”, afirma Byung-Chul Han.
Como criticar algo em que se é interveniente principal e onde se tem uma falsa ideia de liberdade?
A livre circulação dessa informação pessoal permite um pan-óptico ao ser humano. Tudo é visível por todos os elementos. É um modelo de prisão, onde se pensa estar em liberdade. Lembra “Matrix”, não lembra?
A solução, para Byung-Chul Han, é o idiotismo.
O idiota é o verdadeiro indivíduo, um “Neo” que foge ao possível e ao consenso; ele apresenta uma solução fora dos parâmetros formatados. O idiota vive desconectado e tem opinião desvinculada da realidade.
“Fazer-se idiota foi sempre uma função da filosofia (…) Desde o início, a filosofia está fortemente ligada ao idiotismo. Todo o filósofo que engendra um novo idioma, uma nova língua, um novo pensamento, será necessariamente um idiota.”
“Psicopolítica” é um livro sobre a formação da vontade, escrito com intuito pedagógico e, como tal, pensado para comunicar. É sobre si, caro leitor, e em como se transformou no seu próprio produto.

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